Apague o colesterol com a escova de dente
Higienizar a boca não garante só dentes saudáveis. Ao varrer micróbios dessa porta de entrada, você ainda corta o excesso de gordura circulante
Por THEO RUPRECHT | design THIAGO LYRA | fotos OMAR PAIXÃO
"Apenas 10% dos brasileiros possuem uma gengiva saudável. Só 10%",
aponta, preocupado, o odontologista Ernesto Nascimento Filho, da Universidade
Federal de São Paulo. Obviamente, o dado indica o tanto de trabalho
que os dentistas terão pela frente. O que poucos sabem, no entanto,
é que essa estatística pode influenciar até a vida dos cardiologistas.
Sim, a relação entre uma boca repleta de bactérias e um sistema cardiovascular
enfermo parecia distante, mas estudos ao redor do globo vêm estreitando
esse elo.
Um dos mais interessantes foi realizado na Universidade Estadual de
Campinas, no interior paulista. Os cientistas colheram amostras das
artérias de pacientes que tinham alguns de seus vasos sanguíneos obstruídos.
Em outras palavras, que precisavam passar por uma cirurgia para não
infartar. Por incrível que pareça, em 60% dos casos foram encontrados
resquícios de micro-organismos que entraram no corpo através da gengiva.
Ou seja, essas minúsculas ameaças estavam, nem que somente como coadjuvantes,
envolvidas na piora da saúde do peito.
Em busca de evidências, os pesquisadores foram além e avaliaram o
sangue dos voluntários. "Os que tinham inflamações graves no tecido
que rodeia os dentes apresentaram maiores taxas do colesterol ruim,
o LDL", revela o periodontista Fernando José de Oliveira, autor da
pesquisa. E, como já se sabe, níveis elevados dessa substância podem
culminar em vasos entupidos. Prova cabal de que a higiene bucal —
ou melhor, a falta dela — está associada a problemas cardíacos.
É por essas e outras que os especialistas estão de olho na periodontite.
A doença, uma inflamação que afeta as estruturas de sustentação
da arcada dentária, é causada por bactérias específicas alojadas
nessa região. Quando não são removidas por uma escova ou um fio dental,
elas entram fundo na gengiva e, então, caem na corrente sanguínea.
"A inflamação nas artérias resultante da resposta imunológica
às bactérias pode aumentar os níveis de colesterol de um indivíduo",
explica o cardiologista Bruno Caramelli, presidente do Grupo de Avaliação
Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Além disso,
os próprios micróbios da boca partem para cima do HDL, a versão boa
dessa substância gordurosa. Essa partícula protetora age como um guardião
dos vasos, tirando o colesterol maléfico de circulação. "Infelizmente,
pacientes com periodontite têm o índice da versão ruim até três
vezes maior do que pessoas livres dessa inflamação", ressalta Oliveira.
Ao adotar medidas para se precaver dessa grave inflamação, você se
prevenirá contra anginas — aquelas fortes dores no peito que acusam
obstruções nas artérias —, infartos e outros transtornos ligados
ao coração. Mais do que isso, também se protegerá dos derrames.
A lógica nesse último caso é a mesma: sem aquelas bactérias no sangue,
as tropas de HDL se mantêm numerosas, evitando o acúmulo do colesterol
ruim. No caso, porém, estamos falando dos vasos que irrigam a massa
cinzenta. E, caro leitor, não há segredos no combate à periodontite.
"O importante é controlar o biofilme, também conhecido como placa
bacteriana", reforça Suzely Adas Saliba Moimaz, odontologista da
Universidade Estadual Paulista, em Araçatuba. Para isso, a primeira
coisa a fazer é escovar a língua e os dentes após toda e qualquer
refeição. "O problema, na verdade, é que muitas pessoas não sabem
realizar essa prática de maneira adequada", lamenta o odontologista
Ernesto Nascimento Filho. "O ideal é fazer movimentos circulares
com a escova. Suas cerdas devem estar a 45 graus em relação à arcada
dentária", ensina. Desse jeito, a faxina chega até os sulcos gengivais,
local onde os restos de alimento e as bactérias adoram se esconder.
Também é fundamental não se esquecer de um dente sequer. Todos devem
ser muito bem limpos, tanto na parte da frente quanto na de trás. Mas
mesmo quem adota esses hábitos ainda não está livre da ameaça descrita
nesta reportagem. "É imprescindível passar o fi o dental pelo menos
uma vez ao dia", avisa Suzely. Afinal, só ele — e os tais micro-organismos
— chegam a certas áreas de difícil acesso.
Tratamento
Hoje em dia, dá para controlar muito bem a periodontite. Desde que,
claro, você passe a cuidar melhor de sua dentição. "Em casos leves,
o paciente não precisa nem passar por um procedimento cirúrgico",
informa Suzely. Já nos mais avançados, o especialista terá que realizar
uma pequena operação para remover o excesso de biofilme e fixar os
dentes que porventura tenham ficado soltos. Essencial mesmo é visitar
um odontologista frequentemente. Ele acompanhará o quadro e fará limpezas
minuciosas para não dar chance aos inimigos da saúde bucal. Até porque
evidências científicas prestes a sair do forno dão conta de que o
tratamento poderia reverter inclusive os estragos causados às nossas
reservas de HDL — e, consequentemente, atenuar os efeitos do colesterol
ruim sobre o corpo (leia o quadro no alto à direita). Então, coloque
pasta na escova, separe o fio dental e mãos à obra! Seu coração
agradece.
OS SINAIS
Mau hálito, sangramentos constantes, inchaço e vermelhidão nas gengivas
— se você possui algum dos sintomas citados, consulte um dentista.
Afi nal, eles são indicativos da periodontite ou de sua precursora,
a gengivite. Essa baita chateação ainda pode deixar os dentes menos
fi xos ou até tortos. "Isso porque, aos poucos, as estruturas que
os suportam são degeneradas", explica Elaine Escobar, periodontista
das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo.
GRUPOS DE RISCO
Há casos em que a doença periodontal pode aparecer mais cedo ou gerar
desastres extras
Diabete
As bactérias da boca se aproveitam da cicatrização mais lenta dos
diabéticos para tomar conta das gengivas rapidamente. E, na corrente
sanguínea, ainda podem induzir uma maior liberação de glicose.
Cigarro
Até aqui o fumo traz complicações. Isso porque algumas de suas substâncias
diminuem a eficácia das células de defesa. Com isso, aumenta a propensão
a inflamações pelo corpo todo.
Gestação
Mulheres grávidas devem tomar cuidado especial com esse e outros processos
inflamatórios. Mediadores dessa resposta do organismo podem, colateralmente,
ocasionar um parto prematuro.
Precedente familiar
Se um irmão, um avô ou até mesmo um tio sofreu com a periodontite,
é bom ficar esperto. Apesar de a influência genética não ser das
maiores nessa situação, ela existe.
Histórico pessoal de doença cardiovascular
Quem já teve um infarto, por exemplo, deve se proteger extremamente
bem. Nesse grupo de indivíduos, os efeitos proporcionados pelos pequeninos
seres que usam a gengiva como meio de acessar o corpo são maiores.
O QUE ESTÁ
POR VIR
Pesquisadores estão atrás de mais fatos que comprovem a importância
da higienização da boca para o peito
NUNCA É TARDE PARA COMEÇAR
Na Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista, estão sendo
computados os últimos dados de uma pesquisa com indivíduos vítimas
da periodontite que, durante o estudo, foram cuidados por especialistas.
"Aparentemente, a maioria deles está com melhores índices de colesterol
no sangue do que no início do levantamento", diz o periodontista
Fernando José de Oliveira.
ATÉ OS TRIGLICÉRIDES?!
Por incrível que pareça, essa substância, outro fator de risco para
o surgimento de males no aparelho cardiovascular, parece dar mais as
caras em quem possui uma gengiva completamente inflamada. Como o motivo
para isso é desconhecido — e como ainda faltam pesquisas graúdas
sobre o assunto —, não dá para cravar nada até o momento. Mas é
certo que nos próximos anos aparecerão novidades nesse front.